sexta-feira, 23 de julho de 2010

Nós juízes, máquinas ou humanos?



Amini Haddad

É difícil compreender as ações que externam vícios. Fantasiosas construções sem qualquer perspectiva de realidade... Falta de consciência? Arendt já trazia análises para a "descentração" social, onde o mundo material dita regras e os interesses monetários limitam a visão: Holocausto e homens máquinas! Quantos sábios não estiveram envolvidos no modus operandi de Hitler? Nessas intenções, não são julgados os objetos em si, mas o que queremos perceber nele e assim argumentá-lo. O julgamento estético está baseado em senso comum. Sobre isso, Kant diz que seria uma comparação nossa com o que os outros julgam (elementar não reflexiva em nós mesmos).

O alargamento abstruso procede do seguinte: julgar não depende da consciência, mas do jeito que sou capaz de imaginar as coisas do ponto de vista dos outros. Isso, porém, não se sustenta. Nesse sentido, Parekh, Serena. Conscience, morality and judgment. Philosophy & Social Cristicism. vol. 34. ns. 1-2. pp. 177-195. Los Angeles, London, New Delhi e Singapore: 2008. Mas, o que exatamente seriam os direitos humanos? Por que aplicá-los e defendê-los?

Lembremos, pois, o Pedido de Providências 200710000010067 (CNJ), onde o conselheiro José Adônis Callou decidiu que o magistrado não está submetido à jornada fixa de trabalho e que as atividades desenvolvidas não se restringem e não se exaurem no horário de trabalho. Mas, diante dessa realidade, os argumentos foram distorcidos, desconsiderando a existência de direitos fundamentais universais e inerentes à condição humana (lazer, descanso, saúde, convivência familiar, proibição do trabalho escravo e dignidade).

Ainda nessa perspectiva, o conselheiro J. Maurique (CNJ) fez consignar que os magistrados têm direito a três prerrogativas fundamentais para o bom exercício da jurisdição, quais sejam: a inamovibilidade, a irredutibilidade de vencimentos e a vitaliciedade e que, por tais garantias, não seriam eles trabalhadores comuns, e sim agentes políticos do Estado. De tal forma, concluiu o conselheiro que, como tais, os juízes estariam sujeitos a outras obrigações, da qual não podem esperar retribuição, como é o caso de eventual compensação/remuneração por realização de serviço extraordinário, por ficarem à disposição dos jurisdicionados, em regime de plantão (PCA 13573 - j. 20.11.2007 - DJU 07.12.2007).

Questionemos: Os direitos humanos não são mais inerentes à condição humana? Os direitos humanos não são mais universais, inalienáveis, imprescritíveis e irrevogáveis? As prerrogativas (inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade) visam garantir a independência do julgador, para que este não se sinta temeroso ao decidir interesses políticos ou sobre pessoas influentes. É, pois, garantia fundamental do cidadão: almeja-se um Judiciário menos controlado e mais efetivo na sociedade brasileira. Jamais tais garantias devem ser utilizadas como mecanismo de completa desconsideração da humanidade do julgador.

Nós, juízes, somos seres humanos e não máquinas, apesar de, diariamente, sermos submetidos às diversas situações sociais das mais perversas e chamados a julgá-las com efetivo equilíbrio, em verdadeira fortaleza emocional. Ninguém precisaria dizer a qualquer indivíduo que ele precisa repousar, se cuidar, conviver com a família e possuir lazer. Isso, portanto, não se refere apenas ao trabalhador, mas a qualquer pessoa existente na face da terra, independentemente da idade, sexo, etnia, gênero, profissão etc...

Quando se chega a esse nível de crise social, precisamos olhar para nós mesmos... Arendt insere essa discussão ao dizer que a moralidade depende, primariamente, da relação da pessoa consigo mesma: Como dizia Kant, a penalidade de não seguir o imperativo categórico seria o fato de sermos forçados a desprezar a nós mesmos, uma vez que nosso próprio auto-respeito estaria em causa. Saibamos: Os Direitos Humanos são universais porque delimitam a existência humana; morais porque requerem um nível de consciência, em percepção; e normativos porque acrescem um limite à ação do Estado e dos próprios indivíduos. Logo, não há lei ou "prerrogativas" capazes de revogar os direitos fundamentais!

Possamos vislumbrar nas entrelinhas a tendência controladora do discurso. Estejamos conscientes.

Os juízes reclamam a sua humanidade! Como bem preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: Toda pessoa tem direito a realização dos direitos sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade (artigo XXII); toda pessoa tem direito a condições justas e favoráveis de trabalho (artigo XXIII); toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas de trabalho (artigo XXIV).

Trabalhamos diariamente sem delimitação de horário nos dias corridos da semana, em audiências que se prolongam noites adentro e madrugadas afora, além dos atendimentos às partes e advogados, encontrando, ainda, espaços temporais, até em nossos lares, para proferir decisões, despachos e sentenças, atuando, pois, com o objetivo de preservar direitos e acautelar a vida na sociedade. Agora, querem dizer que não temos direito à compensação ou retribuição em relação, ao menos, aos plantões de finais de semana, feriados e comemorações de fim de ano?

Nós, juízes, temos família, filhos, pais e mães. Servimos à Justiça e somos os garantidores dos direitos mais básicos do cidadão, ainda que para isso, soframos riscos de vida (inclusive toda a família) ao decidirmos pela prisão de grandes monstros sociais ou contra interesses escusos. Reclamamos, pois, a nossa humanidade! Ainda que necessária a denúncia do Estado brasileiro aos organismos internacionais por desrespeito às normas internacionais de Direitos Humanos. Imaginem a história revelada: a própria Justiça clamando por Justiça!

Amini Haddad é juíza, membro da ABMCJ-MT, professora da UFMT, mestre em Direito Constitucional-PUC/RJ, doutoranda em Direitos Humanos/UCSF, especialista em Civil, Processo Civil, Penal, Processo Penal, Administrativo, Constitucional e Tributário e MBA em Poder Judiciário pela FGV/RJ. E-mail: amini@terra.com.br