quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Arbitrariedade da Polícia


Após assistirmos estarrecidos o vídeo gravado pela própria polícia (http://www.youtube.com/watch?v=tZxFxABQ4Lw), que expõe publicamente sua truculência e desprezo com os direitos da pessoa humana e transforma a acusada em vítima e os policiais em abusadores, recebemos com alívio a decisão do secretário da Segurança Pública de São Paulo, Antonio Ferreira Pinto, que determinou na noite de segunda-feira (21) o afastamento de dois delegados lotados na Corregedoria da Polícia Civil.

O momento é de se descobrir a razão de o secretário ter expedido ofício ao procurador-geral de Justiça de São Paulo "manifestando perplexidade com o requerimento de arquivamento do inquérito policial instaurado por abuso de autoridade pelo representante do Ministério Público".

De posse do pedido de arquivamento do promotor de Justiça responsável, a leitura da peça, confrontada com o vídeo, é realmente chocante. Basta assistir ao vídeo para se constatar que a escrivã acusada de corrupção e que, por seu delito deve pagar, evidentemente, dentro do que a lei determina, estava em uma sala com diversas pessoas, mais de quatro homens, duas mulheres, todos armados e um cinegrafista que fazia as imagens para a polícia.

Mesmo diante de tamanha disparidade de armas, já que a suspeita estava sozinha e desarmada, ela foi algemada de forma absolutamente desnecessária, pois não ofereceu qualquer resistência e em nenhum momento se recusou a ser revistada, apenas exigia que o fosse por mulheres.

A arbitrariedade do delegado é tamanha, que ele dá voz de prisão à acusada por "desobediência", por ela ter se recusado a despir-se na frente de todos e das câmeras, esquecendo-se que como suspeita, ela jamais poderia ser obrigada a produzir prova contra si mesma e muito menos naquelas circunstâncias.

E muito pior do que isso é o fato de que toda crueldade empregada para obter a prova do recebimento de suborno neste caso foi completamente desnecessária, já que o crime pelo qual a escrivã é acusada é o de concussão (Artigo 316 do Código Penal), que se consumou no ato da exigência da propina, o que já havia ocorrido, pouco importando para a lei se a acusada efetivamente a recebeu e menos ainda onde a colocou.

A prova necessária para condená-la não foi a obtida no momento em que a escrivã é despida à força e filmada, mas no ato da confirmação de que teria exigido dinheiro de outrem para deixar de fazer o seu dever funcional. Assim, quando o dinheiro é localizado nas suas partes íntimas, as quatro notas de 50 reais exibidas pelos policiais com triunfo viram "fumaça" ante o constrangimento ilegal e abusivo com que foram conseguidas, fazendo vergonha em face da nudez forçada da acusada que a transformou em vítima, excesso completamente inútil para os fins legais, inclusive revelando tecnicamente também a completa falta de preparo dos delegados responsáveis.

E o que é mais terrível: toda essa selvageria foi realizada pela própria Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo, que existe exatamente para coibir abusos dos policiais e infelizmente mostrou sua verdadeira face comprovando o emprego de métodos cruéis e ilegais em suas operações e com a aquiescência da corregedora-geral, que considerou um ato de "bravura e coragem" a ação dos delegados, como se fosse vantagem vários homens violarem os direitos humanos de uma mulher que não teve qualquer possibilidade de defender-se dos excessos da polícia. Estranhamente, o promotor do caso também não viu nada demais na ação da polícia e afirmou em sua promoção de arquivamento que Vanessa teve atitudes "rebeldes e dissimuladas... tanto que em determinado momento foi necessário o uso de algemas para dominá-la, vez que ela se tornou histérica e agressiva".

O promotor ainda afirmou que não vislumbrava no caso nenhum indício de abuso por parte do delegado e sua equipe, afirmando que a conduta dos mesmos foi movida "por zelo à administração pública".

O crime praticado por Vanessa merece punição, ela já perdeu seu cargo e responde a processo criminal, mas o crime praticado pelos delegados também merece punição exemplar, pois a injustiça contra um é uma ameaça contra todos.

Lindinalva Rodrigues Dalla Costa é promotora de Justiça MPMT e associada da ABMCJ-MT

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